
Continuação da série: presente de dia das mães!
Lá estava minha mãe, sentada tomando um café com a dona da loja chique de aluguéis de roupas. Do outro lado: eu, morrendo de vergonha, sem muita coragem para sair daquele provador. Ia fazer 15 anos. Suspirei fundo, olhei a cortina e abri de uma vez. Mamãe arregalou os olhos, me olhou, fez dez segundos de silêncio e... Caiu na gargalhada! Sim, eu estava parecendo uma obra de Salvador Dali naquele vestido. (eu de vestido?) Sentei e rimos juntas. Mamãe riria mais ainda se conseguisse prever que eu escorregaria no momento da valsa, com o salto alto que me fizera colocar. Minha adolescência foi assim. Éramos parceiras!
Mamãe trabalhava e estudava, mas não pense que por isso se fazia menos presente em minha vida. Ela deixou um substituto para me cuidar: Os seus Post-its.
Não sei de onde arranjara tantos blocos de papel, mas eram toneladas deles por semana, como uma boa mãe zelosa. Não existia dia sem bilhete, assim como minha mãe sem os seus post-it.
Acordava pela manhã e ia correndo até a mesa, checar qual seria as instruções para o dia. Os bilhetes eram os mais variados possíveis como: comprar ovos, não esquecer o remédio, desejando boa sorte ou pedindo para ver minha última prova de matemática. Como boa filha, eu respondia aos bilhetes, algumas vezes tendo que contar as minhas trapalhadas: “mamãe, hoje eu fiquei trancada do lado de fora”.
No dia seguinte ao ocorrido, não havia bilhete e sim, um cartaz gigante, escrito com caneta hidrocor em uma folha que arrancara de sua agenda: “Ig, pegue a chave antes de bater a porta”.
Mamãe jamais fora controladora, desde sempre estabeleceu uma relação de confiança. Nada me fora negado, sob a perspectiva de que eu estudasse. Ela sabia como lidar comigo: Para os assuntos chatos da adolescência que eu morreria de vergonha, me daria livros. Os anos foram passando e os bilhetes continuavam intactos, sempre equilibrando grandes doses de compreensão aos meus problemas juvenis, com seu apoio maternal.
Cada vez que lembrava dos bilhetes,me sentiria mais segura. Aos 16 anos, já na faculdade me alcançaram um papelzinho, que dizia mais ou menos assim: “Anda logo com essa prova que eu quero ir embora”. Olhei para frente e quem eu vi? Sim! minha mãe era minha colega de faculdade. Caímos na risada novamente.
De tanto escrevermos, nossa relação ficou diferente do tradicional (sempre disse que era incomum), uma caneta e um papel era como se fosse uma voz e um olhar. Hoje temos e-mails, que diariamente são trocados, não tão artesanais como os bilhetes, mas com a mesma intensidade dos laços.
Mas existem coisas que permanecem intactas, como a agenda do celular da minha mãe. Pergunte a ela onde guarda seus telefones, ela carinhosamente tirará um punhado da bolsa, tudo anotado em folhas de post-it.
Acredito que daria um livro, todas as folhinhas por ela escritas. Com muita sorte talvez ainda encontre por aqui um ou outro destes bilhetes, que em dias me impulsionava a vencer, em outros segurava meus arroubos.
De tanto escrever, minha mãe desenvolveu aqui um “monstro” apaixonado pelas palavras. Não haveria melhor jeito de agradecer minha adolescência se não, desta forma.
Acredite mamãe! Se hoje te dedico esta crônica, é porque um dia você teve a simples idéia de escrever em um post-it: “Ig! não se esqueça de comprar pão, beijos mamãe”.